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![]() SATYA: A Veracidade Maria Giovana Pegorer Introdução O presente estudo tem por objetivo uma melhor compreensão do yama satya. Nesse contexto, serão abordados aspectos referentes à conceituação e significado do termo, bem como a importância de sua prática nos dias de hoje - especialmente no que se refere à filosofia do Yoga. O que é Satya ? Em linhas gerais, Satya é a veracidade, tanto nas palavras e atos, quanto nos pensamentos. Em outras palavras, Satya é o termo sânscrito que designa o segundo preceito de abstinência de Patañjali, que é o abster-se da mentira. Segundo o referido sábio, o uso da inverdade deve ser evitado sempre que for possível fazê-lo sem ferir as pessoas (ahimsa), usando de uma ferramenta muito sutil e relativa, que é o bom senso. Verdade e Ética Como vimos até aqui, satya significa pensar e falar a verdade. Dessa forma, é necessário considerar não somente o que falamos, mas a maneira como falamos, e como isso afeta aos outros, pois esse princípio não deve entrar em conflito com outro yama - ahimsa. Isto é, a verdade não deve ser dita de uma forma ofensiva, violenta, agressiva ou grosseira, pois existem maneiras de sermos autênticos e ao mesmo tempo mansos, calmos e afetuosos uns com os outros. Observa-se que em algumas situações cotidianas, o ato de dizer a verdade pode se confundir com ser uma pessoa autêntica. Há várias formas de sermos sinceros, assim como há várias maneiras de se dizer a verdade a alguém. Muitas vezes, a autenticidade se confunde com grosseria e o dizer a verdade acaba ferindo os outros por meio de palavras indelicadas e ásperas. Nesse sentido, verdade e autenticidade podem se tornar formas de violência, contrariando ahimsa, o que não condiz com preceitos morais e éticos da filosofia do yoga. Há certas verdades que, se forem ditas de maneira crua, chegam a ferir, a desgostar, a machucar o próximo. Isto é, se a verdade for expressa sem caridade, embora sendo verdade, valerá por himsá - agressão. Quando tivermos de optar entre uma verdade que machuque e o evitar magoar, ensinam os Mestres, que se sacrifique a verdade ao amor, isto é, que se pratique ahimsá mesmo em detrimento de satya. Há um exemplo clássico para ressaltar esse preceito: se um homem feroz lhe perguntar onde se encontra aquele que ele procura matar e você mentir indicando-lhe uma direção falsa ou omitir o que sabe, você está sacrificando a verdade, mas está entronizando o amor. Dessa forma, verificamos que o yama satya está intimamente ligado ao yama ahimsa. Como muito bem escreveu Rosana Biondillo, as pessoas que dizem absolutamente tudo o que pensam, muitas vezes não estão sendo necessariamente verdadeiras, mas imaturas, pois nem tudo o que pensamos ser verdade o é de fato, ou pode ou deveria ser dito a qualquer um e, muito menos, de qualquer modo. Deve existir um contexto, uma situação que propicie essa atitude e que a torne válida, onde aquele que ouve deve, de fato, estar preparado e querer ouvir o que temos a dizer. Dessa forma, se não considerarmos os sentimentos do outro ao lhe dizer a verdade (se o que vamos lhe dizer pode magoá-lo ou não), estaremos sendo egoístas. Segundo o Professor Hermógenes, Satya é não somente a Verdade, mas a veracidade. Quando o yogin se abstém de iludir, de mentir, de comunicar aquilo que ele sabe que não é verdade, está agindo em nome do amor que tem pelo outro. Quando, ao contrário, hipocritamente, explora a credulidade do interlocutor, comete uma violência, um desrespeito, está ferindo, embora de maneira sutil, alguém que precisa da Verdade. Viver, pensar, querer e dizer a verdade é ahimsá; é contribuir para o bem. Em resumo, a verdade sempre deve servir ao amor: satya deve conduzir a ahimsá. Yoga e Satya A prática de satya poderá ser muito beneficiada pela meditação, pois uma mente meditativa, ao mesmo tempo em que vive em paz consigo mesma e com o mundo, atinge o autoconhecimento (autognose) e, dessa forma, busca constantemente a essência de todas as coisas - a Verdade. Com relação à prática de Yoga, satya é o esclarecimento de nossos objetivos e intenções por trás da prática. Esses objetivos são tanto relativos, como absolutos. Os objetivos relativos podem incluir o alívio do estresse, a cura de problemas crônicos de saúde, o reequilíbrio hormonal, o desenvolvimento de autoconfiança, dentre outros. Já o objetivo absoluto do Yoga é sempre a liberdade. Portanto, para que a prática de Yoga seja verdadeira, deve-se estar ciente desses objetivos que delineiam o caminho a ser seguido, assim como ajudam a definir e a adequar os meios a serem utilizados. Segundo Pedro Kupfer, se não tivermos tempo ou disposição para agir conforme a ética do Yoga, tampouco teremos tempo nem atitude para praticá-lo. Por outro lado, é desconfortável falar sobre estes assuntos, porque ninguém gosta de reconhecer-se como mentiroso, por exemplo. Ao invés de ver quem vai atirar a primeira pedra, lembremos que yama e niyama são os dois primeiros passos da caminhada, condição indispensável para que a prática dê resultados concretos. Falsidade e Hipocrisia: Obstáculos para Satya Como já foi escrito, Satya - a verdade, consiste em fazer coincidir pensamentos, palavras e atos, o que deve entender-se como evitar a falsidade em todas as suas formas, tanto nas relações do yogin com as outras pessoas, quanto dele consigo próprio. Satya é procurar sempre a verdade, independentemente de aonde essa busca possa nos levar. Nesse contexto, Vyása esclarece: “A palavra pronunciada com o propósito de comunicar o próprio pensamento a outrem é verdadeira, desde que não engane ou confunda. A palavra deve pronunciar-se não para ferir, mas para beneficiar. Porque, se ferir, não produzirá harmonia, apenas sofrimento”. A Importância de Ser Verdadeiro Ser verdadeiro e autêntico consigo mesmo é sempre o primeiro e mais importante passo. Não se auto-iludir é uma atitude primordial para se estabelecer a verdade e a autenticidade nas relações com os outros. Agir baseado no medo e na ignorância, ou na incapacidade de aceitar as situações e pessoas como são, em realidade gera sempre violência, mesmo que de forma velada e sutil. Dizer a verdade faz bem ao corpo, à alma e é fundamental. Sermos nós mesmos, apesar das opiniões e dos modismos em contrário, sempre dá mais trabalho e exige muito mais daqueles que a isso se propõem. Mas o esforço é válido, pois é uma atitude que resulta em muito mais segurança, determinação, conhecimento, sensibilidade e paz de espírito. Segundo o Budismo, a mentira não nos prejudica somente em vidas futuras com também destrói nossos relacionamentos atuais, pois se mentirmos os outros não confiarão em nós mesmos quando dissermos a verdade. Observa-se que todos os grandes sábios sistematicamente esperaram ser questionados antes de dizerem as verdades mais essenciais e profundas da existência, e que, ao fazê-lo, procuraram agir sempre da maneira mais inteligível e sensível. Eles sempre procuraram unir a verdade à não-violência - o que não significa que suas palavras fossem sempre agradáveis. A Prática de Satya no Contexto Contemporâneo Em nossa sociedade atual, marcada pelo egoísmo, narcisismo e individualismo, a maioria das pessoas mente o tempo todo, muitas vezes sem perceber, gratuitamente. Em um mundo marcado pela competitividade, onde o que vale é contar vantagem e “estar por cima”, a maioria dos indivíduos mente para enaltecer a si próprio e tornar mais importantes os seus “feitos” – existe até aquela frase que se tornou popular: “Eu aumento, mas não invento”. Assim, mentimos para a nossa família, para os nossos amigos, para as pessoas com quem nos relacionamos no cotidiano e, principalmente, para nós mesmos, gerando os frutos amargos da (des)ilusão e do sofrimento. E, quanto mais se mente, mais se reforça o hábito de mentir, o que é um obstáculo intransponível para verdadeiramente avançarmos no processo de autoconhecimento. O filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein disse que "quem sabe demais acha difícil não ter que mentir". Em certas circunstâncias, ele tem razão: às vezes, a responsabilidade de lidar com a verdade pesa muito. Mas isso não justifica que usemos a "verdade" para agredir os outros "para seu próprio bem", pois a verdade pura, aquela que vêm do coração, não deve agredir nem machucar a ninguém. Muitas vezes temos a dúvida: “O estudo e a observação dos preceitos éticos do yoga são muito bonitos e geram contentamento e paz, mas como colocar realmente os yamas e niyamas em prática?” Como muito bem escreveu Pedro Kupfer: “De fato, discorrer sobre a ética é teoricamente muito interessante, mas impossível de aplicar-se na prática por seres humanos normais, porque os yamas e niyamas são para santos, mas o Yoga é para gente como nós”. Na verdade, não é necessário seguir todos os yamas e niyamas ao mesmo tempo. Ao escolhermos apenas um, e cultivando o hábito de segui-lo fielmente, os demais serão alcançados, pois os preceitos morais estão interligados e atuam em sinergia. Em outras palavras, se escolhermos e seguirmos apenas um dos yamas ou niyamas, os outros serão alcançados por conta própria. Podemos tomar essa escolha como um exercício para o nosso cotidiano, e observar as nossas reações, gerando autoconhecimento consciente. Assim, Satya inclui falar a verdade e, mais fundamentalmente, conhecer a verdade mais profunda que permeia toda a criação. Alinhar nossas prioridades e estilos de vida a essa verdade essencial de unidade, é cultivar satya no dia-a-dia. Considerações Finais Pelo que foi exposto, verificamos que não é tão fácil quanto parece - especialmente em nossa sociedade ocidental, onde predominam a hipocrisia e a superficialidade nas relações interpessoais - praticar satya. Entretanto, precisamos nos conscientizar dessa necessidade de verdade, veracidade e sinceridade em nossas palavras, atos e pensamentos, pois se cada indivíduo fizer a sua parte, certamente colheremos os frutos de um viver mais leve, harmonioso e em conformidade com a essência do Ser Supremo que habita em cada um de nós. Namastê. Maria Giovana Pegorer é estudante do curso de aperfeiçoamento e formação em Yoga do Núcleo de Estudos Yoga Natarája / Casa do Yogin e engenheira civil. Andrade Filho, José Hermógenes de. Ahimsá, a Meta Ética do Yoga de Pátañjali. Disponível em: <http:// www.yoga.pro.br> Acesso em: 31 jan. 2008. Andrade Filho, José Hermógenes de. Convite à Não-Violência. Rio de Janeiro: Editora Nova Era, 2000. 206 p. BIONDILLO, Rosana. Você Sempre Diz a Verdade? Disponível em: <http:// www.yoga.pro.br> Acesso em: 31 jan. 2008. CHODRON, Thubten. Coração Aberto, Mente Limpa – A Prática Budista na Vida Moderna. Rio de Janeiro: Editora Nova Era, 2007. 270 p. CRUZ, Marcelo. Satyam e Mithya - A Percepção da Realidade. Disponível em: <http:// www.yoga.pro.br> Acesso em: 31 jan. 2008. DE ROSE, André (Org.). O Livro de Ouro do Yoga. Rio de Janeiro: Editora Ediouro, 2007. 400 p. KUPFER, Pedro. O Ladrão e o Rei. (Narração por Pedro Kupfer). Disponível em: <http:// www.yoga.pro.br> Acesso em: 31 jan. 2008. KUPFER, Pedro. Vivendo a Ética do Yoga. Disponível em: <http:// www.yoga.pro.br> Acesso em: 31 jan. 2008. LE PAGE, Joseph e Lilian. Yamas: os Valores Fundamentais na Prática de Ásanas. Disponível em: <http:// www.yogaencantada.com.br> Acesso em: 31 jan. 2008. « voltar |